Painel do Mundo

o blog do
MUNDO BOTONISTA
Botão_raiz

Por Márcio Bariviera (20/04/2025)

Doar minhas memórias?

Houve uma época em que pensei em doar meus times de futebol de botão para alguém que pudesse dar seguimento ao meu, digamos, legado. Mas para quem doar? Em quem eu poderia confiar integralmente para entregar parte da minha história? Confesso que foi uma das decisões mais difíceis que eu estava tomando na vida e, por isso, eu precisava de tempo para pensar e encontrar a pessoa certa para a “missão”.

Fazendo uma analogia com a Bíblia (a qual sugiro que seja sempre lida) e logicamente guardadas as devidas proporções dessa analogia, eu precisava encontrar um Abrão (que virou Abraão), um Noé ou um Moisés. Eu teria que ter certeza para quem passar o bastão. Ou a coleção, no caso.

Em uma manhã de domingo, enquanto fui dar uma caminhada mesclada com uma corridinha, fiquei pensando na situação. “Viajei” tanto nos pensamentos que, quando menos notei, o tempo voou e eu já estava com uma hora e meia de atividade. E por falar em tempo voar, lembrei do meu XV de Jaú em acrílico com o qual meu pai me presenteou confundindo com a Seleção, com minha Ponte Preta da Gulliver que foi tão difícil de encontrar naquela época, enfim.

Havia pensado em algumas possibilidades. Vários amigos casados, com filhos pequenos, um deles poderia ser o escolhido. Mas teria que assinar uma espécie de “contrato de sangue”, de fio de bigode. Eu não poderia me decepcionar. Afinal, parte não apenas de minha história, mas de minhas memórias, seriam transferidas para eles. Tá bom, transferidas seria exagero, até porque iriam os times, mas as memórias ficariam aqui, guardadas no lado esquerdo do meu peito.

Depois de alguns dias, tomei a decisão. E foi uma decisão totalmente diferente dos pensamentos que estavam sendo construídos. E se eu deixasse tudo como estava? Os times estavam guardados há décadas, por que não manter as coisas assim? E se chegasse o dia em que nós tivéssemos um filho e ele se interessasse pela causa? Como se diz por aí, remorso não tem preço e eu que não iria pagar para ver. E tudo ficou como estava.

As coisas são sempre no tempo de Deus. Pode demorar, mas Ele não falha. O tempo passou e fomos abençoados com o nosso filho. Ele já está com quase seis anos. Dias atrás, numa manhã de sábado chuvosa, resolvi dar um carinho nos meus times e ele apareceu para ver o que eu estava fazendo. Não deu outra: “Papai, depois vamos jogar um pouco? ”. E eu seria louco de dizer que não?

Ele, com a concentração de um campeão e ainda “pegando o jeito”, movimentava os botões como se fossem grandes estrelas. E eu, com a paciência de quem não tem pressa, ri da sua forma única de jogar. A cada lance, o sorriso dele ficava mais largo e a alegria de estar ali com ele e vendo tudo aquilo acontecendo era como uma troca silenciosa de carinho.

Passou um filme na minha cabeça. Eu jamais me perdoaria se tivesse feito o que quase foi feito, não tenho dúvida alguma quanto a isso. Assim, um leve início de remorso de tempos atrás foi esmagado com a alegria e a missão cumprida diante de uma decisão difícil, mas que foi acertada em cheio. E como daqui não se leva nada, a coleção ficou com quem deveria ficar, alguém do meu sangue para dar conta do legado.

Biblioteca de "Botão_raiz"
Reler publicações anteriores de Márcio Bariviera
Marcio Bariviera

O gaúcho de Rodeio Bonito, Marcio Bariviera é gerente administrativo do União Frederiquense, clube que disputa a Série A2 do Gauchão, além de assinar uma coluna semanal no jornal O Alto Uruguai, de Frederico Westphalen-RS. Rock e futebol de botão são duas paixões desde a infância (e se puder dar palhetadas ouvindo Led Zeppelin fica time completo).

....................................

marcio_bariviera@mundobotonista.com.br
(055) 99988-6612

Posts anteriores 
19 de abril de 2025
Insight
Por Flávio Semim 17 de abril de 2025
Notáveis
Por Jonnilson Passos 15 de abril de 2025
Botão com ciência
Por Valmar Talamo Domingues 14 de abril de 2025
Botões d'além mar
Mostrar mais